Essa é uma produção única em vários sentidos. Tarja Soile Susanna Turunen-Cabuli (1977), ou apenas Tarja Turunen, teve três fases em sua carreira musical. Aos 3 anos, juntou-se ao coro da sua igreja local, na Finlândia, e também fez aulas de canto. Posteriormente, ela também cantou na escola. Tarja impressionou seus professores com a habilidade de cantar precisamente no tom. Ela continuou sua educação musical na “Secondary School of Art ad Music”, na Savonlinna. Nesse momento, suas referências musicais eram: Whitney Houston, Aretha Franklin e Sarah Brightman. Tarja começou a pensar se seguiria o estilo musical delas. Aos 18, ela ingressou na “Sibelius Academy” para aprofundar os estudos em música clássica.
Em 1996, Tuomas Holopainen, um compositor finlandês, multi-instrumentalista e produtor, convidou Tarja para participar do novo projeto de música acústica dele. No entando, ele descobriu que a voz dela era muito poderosa e dramática para acompanhar guitarras comuns, que precisaram ser trocadas por elétricas. Holopainen finalmente decidiu formar o grupo chamado “Nightwish”, uma banda de metal com Turunen como vocalista. Apesar do sucesso alcançado com o primeiro CD, Turunen continuou a cantar música clássica no Savonlinna Opera Festival, com Wagner e Verdi Arias. Inscrita, em 2000, na “University Hochschule für Musik Karlsruhe, Alemanha, ela trabalhou para qualificar-se como cantora clássica solo, com especialização em art song, enquanto continuava a gravar com Holopainen. Turunen viajou pela América do Sul com o concerto clássico “Scandinavian Nights”. Com o Nightwish, ela tornou-se mundialmente conhecida com gravações feitas após seu retorno.
Em 2005, Turunen separou-se do Nightwish, dando início à terceira fase de sua carreira, como artista solo. Ela começou a escrever e gravar em vários estilos, inclusive no metal sinfônico. O sucesso foi evidenciado pela chegada ao topo das paradas finlandesas. Seu CD recebeu disco de platina na Finlândia, platina dupla na Rússia e ouro na Alemanha. Uma turnê mundial com uma banda de metal foi realizada em 2007 e outra turnê em 2012, quando ela ganhou o título de melhor cantora solo européia.
Ouvindo as músicas dela no decorrer dos anos, percebe-se que seu estilo é heavy metal com uma distorção altamente amplificada, poderosos e agressivos ritmos e uma atitude punk, sobre a qual Turunen canta utilizando o poder adquirido pela experiência com ópera. Os vocais líricos sugerem Neo-Romantismo, para mim. Teoricamente, a combinação parece não ser viável, mas na prática, seu grande número de seguidores e pedidos por mais gravações falam pela intuição musical dela.
Turunen aparece em projetos puramente clássicos, mas até então não tinha feito uma gravação desse tipo. Nas notas finais presentes no encarte do Ave Maria Em Plen Air, ela agradece a Kalevi Kiviniemi (organista finlandês mundialmente conhecido) por incentivá-la a gravar esse CD. Eu acho que ele também ajudou na escolha, entre 150, das Ave Marias. Bem acompanhando com órgão da igreja Seinäjoki Lakeuden Risti, Kiviniem também fez os arranjos de 6 das 12 músicas, de acordo com o encarte. Além da troca do piano pelo órgão, há principalmente a adição da harpa tocada por Kirsi Kiviharju (musicista independente de câmara que gravou vários CDs com Kiviniemi) e do violoncelo solo (tocado por Kiviniemi, um estoniano que faz parte da “Estonian National Opera Orchestra”). No encarte, há símbolos individuais sobrescritos para cada instrumentalista (com arranjos de Kiviniemi) em uma fileira ao lado da lista de faixas. Dessa forma, a constituição de cada trabalho é facilmente percebida.
A combinação dos instrumentos de corda adiciona um rico acompanhamento à voz operística de Tarja. Ela tem um alcance de 3 oitavas. Mesmo que ela seja classificada como soprano, meus ouvidos, nessa gravação, sugerem mezzo, especialmente nas faixas 1 e 5, onde a voz de peito é utilizada. De qualquer forma, há muitas notas altas e desafiadoras, que ela alcança perfeitamente. Seu vibrato é muito bem controlado e não exageradamente utilizado. Imediatamente pego pela beleza da voz da Tarja, eu estava tão impressionado pela sinceridade e inteligência aplicadas a essas pontuações quase religiosas quanto pela proximidade dela com os músicos. Ela também, instintivamente, usa a gloriosa acústica da igreja para flutuar pelo espaço e elevar sua voz a um clímax impressionante. Nisso, os instrumentalistas são seguidores ardentes.
Embora a Ave Maria de Schubert seja a mais popular do gênero, Tarja evitou escolher versões usuais, exceto Bach-Gounod, que é a segunda em popularidade. As adaptações de Kiviniemi são de muito bom gosto e evitam sentimentalismo. A adição de acompanhamentos que dão ao violoncelista e ao harpista solos emocionantes na forma de introduções ou poslúdios adicionam riqueza e calor a todo o projeto. A contribuição de Piazzola (1984), por exemplo, é de considerável interesse, pois foi um presente para a cantora italiana Milva. O compositor disse a ela para cantar quando achasse que era o momento. Milva tinha 60 anos, em 2001, quando cantou pela primeira vez! A faixa 12 é uma Ave Maria composta pela própria Tarja, dentro da esfera lírica das outras músicas, com arranjos de Kiviniemi e tocada, de forma inteligente e sutil, com um sino, no órgão da igreja Kangasala. O cd começa com Tarja declamando Ave Maria em latim, em uma espécie de sprechstimme, com algo de inquietante na figura rítmica subjacente à voz da soprano, que mais tarde se espalha pela Igreja com grandeza, penetrando até mesmo o alto Plein Jeu do Orgão. Um fechamento com chave de ouro para este cd.
Achei interessante o fato de o encarte possuir reflexos do rock e do clássico. A capa e o encarte (na parte interna) possuem azul, preto e fotos desbotadas da Tarja Turunen usando um vestido de diva do rock imponente, em posturas bastante dramáticas, com um fundo azul sombreado por tubos de órgão. Há rendições artísticas em páginas inteiras do emblema de Ave Maria, e o texto das páginas tem uma fina linha na diagonal cruzando cada página. Isso é geralmente uma indicação tipográfica para página cancelada. Achei o uso, no álbum, incrível!
Na parte clássica, a completa disposição do órgão está listada, com todos os tubos e seus comprimentos, e há parágrafos para cada uma das faixas. No rock, os responsáveis pela maquiagem, cabelo e roupas da Tarja, a professora de canto, o consultor A&R executivo para a earMusic e o produtor executivo da NEMS Enterprise SRL são reconhecidos. Um booklet cross-over, se existe tal coisa.
Eu deixei meus comentários a respeito do som para o final desta review. Eles deveriam ter vindo no início. Nos primeiros segundos da faixa 5.0 multichannel, fui transportado instantaneamente para a acústica maravilhosa da igreja Lakeuden Risti. Esse CD foi gravado, editado e masterizado por Mika Koivusalo, de quem a defesa da alta resolução no som persuadiu a earMusic a fazer várias faixas na gravação. Não há dúvidas quanto às dificuldades que um espaço reverberante causa para o balanço de voz, harpa, violoncelo e órgão, todos diferentes e acusticamente poderosos, com um arranjo de microfones relativamente simples.
Koivusalo superou todos os problemas e o resultado foi uma atmosfera sonora de tirar o fôlego, a melhor que já ouvi. Som, voz, músicos e local constroem-se como um. Um mesmo torna-se ciente do tamanho, da altura do prédio e da precisa locação dos músicos e do ambiente, o que adiciona calor, riqueza e profundidade à música. Mudando do 5.0 para o stereo quase se quebra o som 3-d. Ainda assim, o Stereo, por si só, é o melhor que poderia ter sido produzido, dadas as limitações de duas caixas de som. Um triunfo para Koivusalo!
Além dos elementos cruzado, Ave Maria In Plen Air é uma gravação clássica de alta musicalidade, sinceridade e imaginação, que pode atrair alguns dos seguidores usuais de Tarja Turunen e despertar interesse nos clássicos. Mesmo na camada RBCD, eles ouvirão um som maravilhoso. Como um entusiasta clássico, espero que Tarja faça outra gravação clássica, talvez de Arias operísticas. Uma proveitosa e única produção com um incrível som surround.