* A Volta Por Cima Definitiva
Agora, sim, podemos dizer que a carreira solo de Tarja Turunen de fato começou. My Winter Storm não é exatamente o seu primeiro trabalho fora do Nightwish, mas os anteriores foram discos especificamente natalinos. Agora, finalmente temos em mãos um álbum formado quase que exclusivamente por material inédito (só o cover de Poison, de Alice Cooper, não se enquadra na descrição). E ele é bastante convincente e muito, muito interessante musicalmente.
Entretanto, se você espera ouvir no disco uma espécie de continuação do que acontecia no Nightwish, esqueça. Embora haja aqui e ali alguns resquícios do estilo de sua antiga banda - e haja também, é claro, a sua voz característica -, Tarja optou por seguir um caminho indubitavelmente próprio. Trata-se de um caminho bastante grandioso (quase grandiloqüente) e que aborda inúmeros gêneros do espectro musical. Assim, o álbum passeia pelo rock gótico, pela música clássica, pela pop music e outros, eventualmente tocando mais pesadamente o heavy metal que a fez famosa. Eis um trabalho extremamente bem-feito e talentoso, mas que certamente dividirá opiniões.
Ao lado de uma banda de competência inenarrável, que inclui Doug Wimbish (B, que já tocou com living Colour, Rolling Stones, Joe Satriani, Jeff Beck, Madonna e outros), Alex Scholpp (G, Farmer Boys) e Earl Harvin (D, Seal, Pet Shop Boys), Tarja gravou um disco único, sinceramente diferenciado e talvez polêmico. Foi para promove-lo em terras brasileiras que ela esteve em São Paulo, no finalzinho de outubro de 2007. A ROCK BRIGADE, é claro, aproveitou a oportunidade para bater mais um longo e esclarecedor papo com a sempre simpaticíssima cantora.
ROCK BRIGADE - Seu primeiro álbum solo de verdade está finalmente pronto. Creio que seja também o mais pessoal que você já gravou, em virtude de tudo que envolveu sua carreira desde seu desligamento do Nightwish. Agora que o disco está finalizado, quais são seus sentimentos mais fortes em relação a ele?
TARJA – Eu estou muito orgulhosa desse disco, principalmente quando me lembro da situação em que eu me encontrava quando comecei a trabalhar nele. Foi muito difícil explicar para as pessoas envolvidas a visão que eu tinha de como esse álbum deveria ser. A própria gravador ficou bastante confusa quando eu tentei explicar o tipo de abordagem que eu queria para o álbum, que deveria funcionar como uma espécie de trilha sonora. Toda vez que eu mencionava esse termo, “trilha sonora”, eles ficavam chocados, achando que eu faria um disco apenas de músicas instrumentais e incidentais. Não foi fácil convence-los de que a idéia principal por trás desse disco era que ele tivesse quatro elementos principais: uma sonoridade cinematográfica, a minha voz lírica - mais do que anteriormente, inclusive - , a orquestra e guitarras pesadas. E que seria a mistura desses quatro elementos principais que faria com que a minha visão se concretizasse. Por isso, estou muito orgulhosa de ter conseguido, de alguma maneira, desenvolver aquela idéia que eu tinha na cabeça e coloca-la no disco. Foi também um processo de aprendizagem, pois, agora, conheço maneiras muito melhores de fazer coisas que fizemos no disco de um modo não tão fácil assim. Na verdade, em muitos momentos eu tive que lugar para achar a maneira certa de fazer as coisas. Por isso, agora que eu aprendi como fazer, tudo deverá ser menos complicado no futuro. Não vou precisar mais lutar tanto assim, pois já sei como mergulhar ainda mais profundamente no direcionamento musical que inauguramos nesse disco. Além, é claro, de eu ter contado com a ajuda inestimável dos músicos que gravaram as músicas comigo e também dos produtores em Los Angeles, que já tinham experiência com trilhas sonoras e foram fundamentais para que o disco tomasse a forma que tomou. Tive muita sorte de ter esse pessoal trabalhando no álbum. Mesmo assim, foi um processo trabalhoso, pois havia muita gente envolvida e inúmeras decisões a serem tomadas. E eu queria estar sempre presente, até porque eu nem conseguiria dormir se decisões fossem tomadas sem a minha presença.
RB – Você diria que conseguiu fazer com que o disco saísse totalmente fiel à visão que você tinha pra ele ou ainda ficaram faltando algumas coisinhas aqui e ali?
TARJA – Na verdade, eu sempre tive uma visão muito clara de como eu queria que o disco soasse, mas, como eu disse, o difícil era explicar para as pessoas envolvidas que visão era essa. Entretando, o resultado que obtivemos no final foi exatamente aquilo que eu queria, por isso, de algum jeito, eu consegui fazer com que todo mundo enxergasse quais eram essas minhas idéias loucas [risos]. Talvez seja isso que me deixa mais orgulhosa, ou seja, o fato de ter sido capaz de guiar as pessoas em direção àquilo que eu queria. Agora, finalmente eu posso dizer que sou eu mesma num disco. É a “minha” personalidade que está ai, são os “meus” sonhos, a “minha” música, o modo como “eu” me sinto nesse exato momento [N. do R.: enfatiza as palavras entre aspas]. É claro que, no futuro, eu pretendo aprofundar o direcionamento que seguimos no disco pois acredito que ainda podemos explorar muito mais essa mistura de diferentes universos musicais. Porém, não tenho dúvida de que o que fizemos desta vez já vai surpreender bastante a maioria das pessoas.
RB – Esse disco gira quase exclusivamente em torno de você. Como você mesma disse, desta vez estamos falando da “sua” personalidade, da “sua” música, dos “seus” sentimentos, e assim por diante. No Nightwish sabemos que não era assim, já que a banda se baseava nas composições do [tecladista] Tuomas [Holopainen]. Por isso, você sentiu algum tipo de pressão enquanto preparava o álbum, em virtude de sua responsabilidade na coisa toda ser muito maior?
TARJA – A única pressão que eu senti foi que eu deveria ser suficientemente forte para fazer com que as pessoas entendessem qual era minha idéia para o disco. Minha visão a respeito de como ele deveria soar precisava ficar totalmente clara para os envolvidos. Essa necessidade me pressionou um pouco, mas, fora isso, não houve mais nada. Em momento algum me senti pressionada por ter que fazer as coisas diferentes de antigamente ou por ter que eventualmente corresponder à expectativa das pessoas a respeito do que eu deveria fazer como artista solo. Nunca tive preocupações desse topo enquanto escrevíamos ou gravávamos o disco, de forma nenhuma. Afinal, eu sabia que estava fazendo algo do fundo do meu coração, estava sendo guiada totalmente por minhas emoções mais verdadeiras. Se as pessoas que ouvissem o resultado do disco ficassem tocadas de algum amaneira, ótimo, isso seria um extra, uma coisa muito boa. Mas eu sabia que estava fazendo algo diferente de tudo que eu havia feito antes.
RB – Falando sobre o processo de composição, sabemos que você trabalhou com um time de diferentes compositores, mas depois acabou participando um pouco mais das idéias que acabaram no disco. Como funcionou a seleção das músicas? Isto é, como você decidia quais eram as certas e quais eram as erradas dentre as diversas contribuições que recebeu?
TARJA – No começo, a idéia era mesmo trabalhar com essas contribuições. Havia centenas de músicas, dos mais diversos compositores, e eu fui escutando todas elas, sem saber quem as tinha escrito. Afinal, se eu soubesse, provavelmente teria uma perspectiva diferente em relação àquilo que eu estava ouvindo. Porém, o cenário mudou um pouco depois que eu conheci as pessoas que acabaram escrevendo comigo a maior parte do material. Eu me dei muitíssimo bem com elas, havia realmente uma mágica especial com esse pessoal. Ficamos uma semana em Ibiza, na Espanha, e só nesse tempo escrevemos seis músicas. Eu apresentava os conceitos que eu tinha para cada música e eles me ajudavam a desenvolvê-los. A partir daí, as coisas iam mudando e tomando forma. Por exemplo, em The Reign. Inicialmente, minha idéia era que essa canção fosse exclusivamente instrumental ou que tivesse apenas harmonias vocais, mais ou menos como em Oásis, mas de uma forma ainda mais abstrata. Ou seja, era pra ser uma faixa totalmente sem letras. Eu mostrei aos compositores algumas trilhas sonoras e disse a eles que a idéia era aquela. Por fim, eles me mostraram uma versão inicial. Imediatamente, eu imaginei as harmonias vocais, o tipo de história que eu gostaria de contar na letra e terminou sendo uma música no formato tradicional. Foi mais ou menos dessa forma que trabalhamos em todas as faixas desse disco, sempre tendo as minhas idéias como ponto de partida, mas havendo um desenvolvimento em equipe de todas elas. Às vezes, com bastante improvisação também. A gente colocava uma das músicas pra tocar, eu fechava os olhos e começava a improvisar algumas melodias de voz. No fim, pegávamos as que tinham ficado melhores e as incluíamos na estrutura básica da canção.
RB – As músicas são bastante diferentes entre si. Isso tem um lado bom, que é fazer com que o álbum seja bastante variado, mas também pode fazer com que ele seja tido como um trabalho sem direcionamento definido. Qual foi sua maior preocupação na hora de eleger as faixas que entrariam? Bastava que elas soassem interessantes pra você, sem importar a abordagem, ou havia algum outro parâmetro, como não soarem excessivamente como Nightwish, não possuírem partes clássicas em demasia e coisas do tipo?
TARJA – O mais importante era que cada música despertasse em mim alguma emoção. As decisões foram sempre baseadas em meus sentimentos, principalmente. Podemos pegar como exemplo Lost Northern Star. É uma canção cheia de vocais operísticos, e ao mesmo tempo, repleta de guitarras pesadas. Eu já sabia de antemão que tais elementos só funcionam juntos quando utilizados em canções mais cadenciadas, não muito rápidas. Ou melhor, podem até funcionar em faixas mais velozes, mas não do modo como eu gosto. Nesses casos, eu prefiro ter espaço para pôr minha voz e me certificar de que cada detalhe fique claro. Acho importante que as pessoas possam ouvir com nitidez tudo que está acontecendo. Foi nesse tipo de coisa apenas que eu pensava quando preparava quais faixas fariam parte do disco. O resto foi baseado em emoções. Cada uma das faixas tem uma razão para ter entrado, um elemento que a faz especial, sejam as que têm mais orquestra, sejam as que têm mais guitarras. E, sem dúvida, o disco possui uma diversidade bem grande, mas era essa a história que eu queria contar. Pra mim, apesar da diversidade, essa história faz sentido, foi exatamente ela que eu quis contar quando veio aquela inspiração das primeiras músicas que escrevemos. Não que haja uma história com começo, meio e fim no disco, mas é a história das emoções pelas quais eu passei até chegar a ele. É essa a história que eu conto naquelas canções, uma história muito honesta desse momento da minha carreira, sem que tenha havido muitos pensamentos a respeito, muitas conclusões, muito processamento de idéias. Foi tudo feito assim [estala os dedos], de forma extremamente espontânea e emocional. Assim que surgia a visão para determinada canção, pronto, ela já estava feita!
RB – O disco tem um monte de músicas. São quinze, ao todo, um número bem superior ao que se costuma ver em álbuns de estilo semelhante. Eu acredito que, com tanto material, você não descartou nada que tenha gravado, certo?
TARJA – Não, está tudo lá mesmo [risos]. Na verdade, o disco possui quatorze músicas. É que no CD que a gente ouviu agora há pouco estava incluída também uma faixa bônus, que provavelmente será utilizada em alguns mercados. Mesmo assim, são quatorze faixas e, realmente, quando as estávamos escrevendo, eu comecei a pensar: “Meu Deus, já existe tanto material que acho que vou precisar fazer um disco duplo.” Sem brincadeiras, eu realmente cheguei a considerar seriamente essa hipótese. Não foi o que aconteceu, mas ainda assim é um álbum bastante longo, sem dúvida.
RB – Kiko Loureiro, do Angra, toca violão em algumas faixas. Como vocês se conheceram e como foi acertada a participação dele no disco?
TARJA- O Kiko foi o primeiro e único violonista que eu pensei em ter nesse álbum, especialmente por ele ser brasileiro. Esse foi o motivo principal para que eu quisesse tanto que ele participasse. Eu já o tinha visto tocando violão ao vivo diversas vezes no passado, em turnês que nossas bandas [o Angra e o Nightwish] fizeram juntas. E, além de gostar dele como pessoa, a paixão que ele demonstra pela música quando toca um instrumento é especial. Era essa paixão que eu queria capturar, ou melhor, que eu queria que ele capturasse nas músicas em que ele tocou. E ele realmente fez isso, as partes que ele gravou para o disco são belíssimas. E, como eu disse, ele foi a única pessoa em que eu pensei. Ainda bem que ele aceitou participar, assim eu não tive que procurar por nenhum outro músico para pôr em seu lugar [risos].
RB- É um disco bem “globalizado”, digamos. Você é finlandesa, há um brasileiro como convidado, existem músicos americanos na banda, ele foi gravado na Irlanda...
TARJA – É verdade. Às vezes, acontece de você ouvir um disco e pensar: “Hmmm, isso realmente soa como algo vindo da Escandinávia.” Ou então: “Tenho certeza de que são músicos latino-americanos.” Mesmo que você não saivá ao certo do que se trata, consegue ter uma idéia mais ou menos razoável. No entanto, em relação a esse álbum, eu realmente não acho que isso seja possível. Duvido que alguém que o ouvisse sem saber o que é pudesse dizer: “Ah, esse disco foi feito por uma artista da Finlândia.” Pois eu sinceramente acho que ele soa universal e talvez seja exatamente porque há gente de todos os lugares envolvida nele. Pode ser que em virtude de toda essa gama de nacionalidades ele tenha adquirido uma personalidade acima de todas elas, ou seja, acabou ficando com uma sonoridade mais ampla. Eu acho que é um disco bastante diferente do que tudo que as pessoas já ouviram antes.
RB – Voltando um pouco ao processo de composição, você disse que trabalhou com um grupo de pessoas para escrever as canções. No entanto, existe alguma delas que seja de autoria exclusivamente sua?
TARJA – Sim. No meio do disco, há uma canção bem calma e singela, chamada Oasis. Ela é de autoria exclusivamente minha. [rindo] Surgiu a partir de algumas experiências minhas ao piano, eu ficava lá brincando com essas melodias, porque queria que houvesse um momento mais intimista como esse na metade do disco. E eu sempre fiquei com esse título na cabeça, Oasis. É uma palavra em inglês, embora a letra da música seja em finlandês. O problema é que, em inglês, esse termo pode adquirir uma série de significados, alguns deles metafóricos, mas, em finlandês, ele possui apenas um significado possível - e ele te leva bem para o meio do deserto do Saara [risos]. E é claro que eu não me referia a um lugar no meio do deserto. Essa canção trata de sentimentos muito pessoais e íntimos. Ela fala sobre paz interior e sobre liberdade, coisas que se tornaram extremamente importantes para que eu pudesse realmente entender quem eu sou e o que eu gostaria de fazer com a minha carreira. Hoje, posso dizer que estou muito feliz com a minha vida e com tudo que estou fazendo, mas precisei de muita paz interna, de um verdadeiro oásis, para alcançar tudo isso. Embora a letra não explique tão claramente quanto eu estou explicando pra você, é sobre isso que ela fala.
RB – É uma música curiosa porque, embora contenha vocais, eles são bem poucos. É quase uma faixa instrumental - e uma canção instrumental no disco solo de uma cantora lírica é algo bastante inesperado.
TARJA – [rindo] É verdade. Mas até por isso ela é uma canção tão especial, pois permite que você “fuja” um pouco do sentimento geral do disco. Pessoalmente, quando eu quero relaxar ou me concentrar em alguma coisa, eu escuto música orquestrada, sem qualquer tipo de vocal. Não importa se é uma trilha sonora ou pura música clássica, o importante é que não haja ninguém cantando. É assim que funciona pra mim - e eu queria que houvesse um momento assim no meu disco também.
RB – A primeira música escolhida para virar single foi I Walk Alone [“eu caminho só”]. É uma música direcionada ao Nightwish, uma espécie de recado a eles, dizendo que você pode ter uma carreira sem a banda? Ou o título nada tem a ver com isso, é apenas uma coincidência?
TARJA – É somente uma coincidência. Na verdade, foi a gravadora que pediu que essa faixa fosse o primeiro single, nem foi uma decisão exclusivamente minha. Porém, eu também a considerava adequada, é uma ótima música, e entendo as razões da gravadora para tê-la escolhido. Por isso, concordei. Tínhamos feito duas versões dela, uma com mais guitarras e a outra mais orquestrada, e eu insisti com a gravadora para que ambas fossem lançadas, pois não conseguia me decidir qual tinha ficado melhor. Foi até bom que ela se transformou no single, pois assim as duas versões podem estar lá [risos]. De qualquer modo, em relação ao título, ele nada tem a ver com o Nightwish. Uma das coisas importante na minha vida são as pessoas, meus fãs. Eles são minha “winter storm” - e eu sei que jamais tive que caminhar só por causa deles, pos sempre estiveram comigo. É sobre isso que fala essa canção - e é por isso que eu acho que ela é perfeita para ser o primeiro single. No entanto, eu entendo perfeitamente por que as pessoas podem achar que se trata de um recado velado aos integrantes do Nightwish, uma canção que fala sobre meu passado, mesmo que não seja.
RB – Bem, você sabia então que essa idéia errada sobre a música ocorreria. Isso chegou a ser motivo de preocupação quando se decidiu por ela para o single?
TARJA – Sim, eu realmente sabia. Tão logo nós terminamos de escrevê-la, eu tinha certeza que muita gente acharia que era uma música sobre o meu passado recente. Porém, é uma canção muito mais profunda, muito mais poética, do que isso. Ela tem um significado pessoal importante e não seria legal deixá-la de fora só porque algumas pessoas poderiam achar que ela é sobre alguma outra coisa. É claro que não faria sentido eu ficar aqui explicando detalhadamente sobre o que fala essa canção, mas, basicamente, ela se refere às pessoas que sempre estiveram ao meu lado, não importando o que acontecesse.
RB – Há uma música no disco, Ciáran’s Well, que é uma total surpresa. Mesmo se levarmos em conta o material do Nightwish, acho que você nunca fez nada desse tipo antes e...
TARJA – [interrompendo] Sim, ela é muito, muito diferente de tudo que eu já fiz. Totalmente diferente mesmo!!! Essa música nasceu na Irlanda, durante as gravações do disco. O Alex [guitarrista] e o Doug [baixista] costumavam fazer jams durante os intervalos entre as sessões. Eles estavam sempre tocando alguma coisa juntos. Aliás, o pessoal do estúdio deixava o botão do “rec” apertado o tempo todo, pois sempre saía alguma coisa legal dessas jams [risos]. Um dia, eu cheguei ao estúdio e escutei algumas das jams que eles tinham feito. Aí, cheguei pro Alex e falei: “Olha, você vai ter que me mostrar alguns desses riffs, porque eles são bons demais e eu quero usa-los” [risos]. E ele começou a tocá-los pra mim. E eu fui escolhendo: “Esse sim, esse não, esse sim, esse não”. Depois de pegar todos eles, pensamos num jeito de colocá-los na mesma estrutura musical e foi assim que a canção nasceu. De volta a Hamburgo, eu e minha amiga Michelle [Leonard] começamos a trabalhar nas harmonias vocais e nas letras. E a inspiração para elas veio do fato de a Irlanda ser um país com uma história riquíssima, uma história meio misteriosa e mágica, especialmente por sua tradição celta. Na Irlanda, existem vários poços sagrados e um desses poços, o poço de Ciáran, era perto do estúdio onde gravamos o disco. Como essa música foi feita na Irlanda, capturando todo o espírito do país, achamos que era adequado que a temática das letras tivesse a ver com alguma característica marcante do lugar. De qualquer forma, do ponto de vista musical, ela é mesmo uma música bastante diferente. Mas eu disse para o Alex: “Eu quero uma música para bangear no palco” [risos]. E ele é um desses músicos bem headbangers, por isso, eu implorei para que ele messe alguns daqueles riffs. Mas não foi fácil achar uma melodia vocal para pôr sobre eles. Acredite, eu tentei pelo menos umas quinze soluções diferentes até chegar a uma que considerasse satisfatória. Na verdade, estávamos todos tentando achar uma melodia para a música, mas nada se encaixava direito. Porque é uma canção bem simples e direta, com um único acorde que se repete diversas vezes, e para a minha forma de cantar, eu preciso de mais coisas acontecendo. Eu não consigo cantar de forma monocórdia. Por isso, foi um grande desafio finalizar essa canção. Só que, certa noite, depois de duas garrafas de vinho, finalmente conseguimos [risos]. E ficou muito bom, eu adoro essa música!
RB – Ela é, sem dúvida, o momento mais pesado de todo o disco. Acho até que é a única música realmente heavy metal do álbum.
TARJA – Ela é de fato a mais pesada. Já estamos preparando os arranjos para a versão ao vivo, porque é uma das músicas que não poderão faltar nos shows de jeito nenhum. Vai ficar demais.
RB – Aliás, como serão os shows ao vivo? O que os fãs podem esperar, ainda mais se levarmos em conta a grande diversidade do disco?
TARJA – Eu espero que os shows possuam o mesmo espírito do disco. Além disso, eu quero fazer com que eles sejam tão teatrais quanto possível. Há muitas “imagens” diferentes no disco e nós vamos precisar encontrar uma forma de transportá-las para os shows também. É lógico que eu não vou cantar cada música com um figurino, usando roupas extravagantes e perucas, como aconteceu no videoclipe [da música I walk alone]. Mas haverá alguma coisa, com certeza. Queremos fazer algo que seja de certa forma assustador, mas ainda assim belo. Algo como a bela e as feras [risos].
RB – Qual será a banda que a acompanhará ao vivo? Serão os mesmos músicos que gravaram o disco?
TARJA – Eu conversei com todos eles enquanto ainda estávamos no estúdio, dizendo que gostaria que eles saíssem em turnê comigo. Todos disseram que adorariam, mas o Earl [baterista], infelizmente, já tinha se comprometido em fazer uma turnê com outra banda e não pôde aceitar. Já o Doug e o Alex estarão comigo nas apresentações ao vivo. De resto, temos também uma tecladista finlandesa com quem eu já toquei nos meus shows natalinos. Já o meu irmão mais novo, Toni, tocará instrumentos diversos, incluindo bateria eletrônica, teclados e violão, além de cantar. Ele fará alguns duetos comigo. Haverá dois violoncelistas e, enfim, para a bateria, chamamos o Mike Terrana. Há tempos que nós dois gostaríamos de tocar juntos e finalmente isso vai acontecer. Estou muito feliz com isso. Ele é um cara totalmente maluco, mas um baterista fenomenal. É uma banda grande, mas eu confio piamente em todos esses músicos e estou certa de que, ao lado deles, serei capaz de fazer shows muito, muito bons.
RB – É óbvio que os shows serão baseados no material do disco, mas você pretende incluir no set list alguma coisa do Nightwish também?
TARJA – Ah, sim, alguma coisinha do Nightwish tem que ter [risos]. Estou quase certa das músicas que serão incluídas, mas é claro que eu não vou te contar [mais risos]. Mas não vejo razão para não incluir nenhuma daquelas canções nos meus próprios shows.
RB – São músicas que o próprio Nightwish costumava tocar ou material que permaneceu mais “escondido” nos seus velhos shows com a banda?
TARJA – As duas coisas. Vai ter desde coisas que nunca tocávamos ao vivo até coisas que tocávamos ao vivo sempre.
RB – Há no álbum um cover meio inesperado, ao menos para mim. Trata-se de Poison, uma música do Alice Cooper que eu jamais imaginei que um dia teria uma versão cantada por você. E ficou bem diferente da original também. Foi idéia sua?
TARJA – Sim, a idéia foi minha - e ficou realmente muito diferente da versão original. Pra ser honesta, eu não sou assim nenhuma grade fã de Alice Cooper, mas ele é um desses artistas que me fazem lembrarda minha adolescência, da época em que eu escutava Whitesnake, AC/DC, Guns N’Roses e bandas desse tipo. Eu nem conheço muito profundamente o material mais antigo do Alice Cooper, mas essa música é um clássico do período mais recente da carreira dele, tanto que ela toca toda hora nas estações de rádio finlandesas que se dedicam ao classic rock. Em abril ou maio desse ano, não me lembro ao certo, eu estava viajando de carro, sozinha pela Finlândia e era uma viagem bem longa, de uns 500km. Eu estava escutando rádio e essa música tocou cinco vezes. Cinco vezes!!! Justamente nessa época, eu estava procurando desesperadamente por uma música para ser o cover. Ficava trocando e-mails com meus amigos para pedir sugestões, perguntava para a gravadora, para pessoas da minha família, mas parecia que simplesmente seria impossível achar uma canção que fosse a certa. Afinal, toda vez que falávamos de uma música do hard rock do começo dos anos 80, ou do final dos anos 70, era de alguma banda que eu não gostava. E nesse dia, finalmente eu a encontrei. Eu estava lá dirigindo e pensei: “É essa!!! Será que alguma banda com vocais femininos já fez uma versão dela? Duvido.” Cheguei em casa, informei a gravadora e eles adoraram a idéia. Fui procurar na internet se alguma banda com uma garota nos vocais já tinha feito uma versão e, na verdade, há um grupo techno que fez. Mas é uma versão totalmente louca, eu ri muito quando a escutei. E pensei: “Bem, ela fez a música desse jeito. Eu farei do meu.” Porque desde o início eu soube muito claramente o que eu queria fazer com a música. Por exemplo, eu não queria um solo de guitarra, mas sim um solo de violoncelo. Mas foi difícil para a banda captar a idéia, especialmente em relação às guitarras. Afinal, se ouvir a nossa versão, você vai ver que os riffs da versão original simplesmente sumiram [risos]. Só que, até chegarmos nesse resultado, foi difícil explicar para o Alex o que eu tinha em mente. Ele sofreu bastante, mas, no final, conseguiu criar uma alternativa muito interessante para a nossa versão.
RB – A produção do álbum é bastante grandiosa e até mesmo rebuscada em diversas passagens. Eu sei que o conceito era esse mesmo, isto é, fazer um disco de certo modo pomposo, que se assemelhasse a uma trilha sonora e tudo mais. Entretanto, em estúdio, há diversos recursos que possibilitam fazer tudo isso de forma satisfatória. Mas e ao vivo? Como fazer para que o material funcione?
TARJA – Sim, eu sei que não será possível produzir ao vivo todos os detalhes que incluímos no álbum. Essa é a realidade e não há nada que possamos fazer a respeito. No entanto, o que me faz dormir tranqüila todas as noites é saber que eu tenho comigo uma banda extremamente talentosa, músicos geniais que certamente aparecerão com idéias sobre como fazer para reproduzirmos tudo aquilo ao vivo da forma mais fiel possível. Sem dúvida, teremos que mudar alguns arranjos e usar samples, pois é claro que não poderemos fazer os shows com orquestra e coral. Mas estou certa de que tudo vai se acertar.
RB – E quanto à sua voz? Você acha que terá problemas em cantar ao vivo todas essas músicas que estão no álbum, algumas razoavelmente complicadas em termos vocais?
TARJA – Todas essas músicas são bem difíceis de cantar. Elas possuem uma amplitude vocal muito grande e cada uma delas exige uma interpretação diferente. Pior que fui eu mesma que criei esses arranjos impossíveis de cantar [risos]. Não posso nem pôr a culpa em ninguém desta vez [mais risos]. O que acontece é que, do ponto de vista clássico, eu sou uma soprano lírica. Isso significa que tenho uma voz aguda, portanto, quando canto música clássica, eu canto de forma aguda. Ou seja, minha voz soa melhor quando tenho que cantar em regiões altas. Sendo assim, cantar agudo é uma tarefa fácil para mim. O problema é quando eu preciso atingir os tons mais graves. E várias das músicas desse disco exigem que eu cante de forma bastante grave. Além disso, como eu já disse, há uma grande amplitude, eu vou das notas mais altas às notas mais baixas, e vou ter que ser capaz de cantar todas elas ao vivo. Por isso, já estou ensaiando seriamente há três semanas, pois sei que não será fácil reproduzir esse material ao vivo. Inclusive, precisarei de um intervalo nos shows e a banda já está preparando um número especial sem mim para essa parte.
RB – Certo, como havia nos shows do Nightwish também.
TARJA – Exato. Eu sempre precisei de um pequeno intervalo para respirar um pouco, por isso, não chega a ser uma grande novidade. Na Verdade, as pessoas terão a Tarja de sempre no palco. Haverá as mesmas trocas de roupas, as mesma imagem de mim mesma, haverá o mesmo intervalo [risos]. Apenas a parte musical é que será um pouquinho diferente.
RB – Você está preparada para os gritos de “Nightwish” que certamente surgirão em vários desses shows?
TARJA – É claro. Isso já aconteceu, na verdade. Por exemplo, fizemos shows na Rússia durante minha última turnê de Natal e algumas pessoas na platéia pediram pelo Nightwish. Mas eu levo isso numa boa, da forma mais bem-humorada que você possa imaginar. Até porque eu considero uma reação natural, afinal, o Nightwish foi uma parte muito grande e muito importante do meu passado. Não acho que isso seja um problema. Além disso, nos meus shows, eu vou mesmo tocar material do Nigthwish.
RB – Falando em material do Nightwish, a banda lançou há pouco tempo o seu primeiro álbum sem os seus vocais, chamado Dark Passion Play. É inevitável perguntar o que você achou do disco e especialmente de sua substituta na banda, Anette Olzon.
TARJA – Para mim, é realmente muito difícil ter uma opinião sincera a respeito do disco como um todo, pois eu escutei apenas duas músicas até agora, Eva e Amaranth. É impossível você julgar um disco inteiro tendo ouvido apenas duas músicas. De qualquer fora, se você quer saber minha opinião sobre essas duas canções em particular, eu diria que elas sem dúvida representam fielmente o Nightwish. São duas grandes músicas, como sempre foi o caso quando falamos do Nightwish. Estou ansiosa para ouvir o disco na íntegra e farei isso assim que chegar em casa, pois sei que a gravadora já me mandou uma cópia e ela está lá esperando por mim.
RB – Há uma música dedicada a você no disco deles, chamada Bye Bye Beautiful. Como você se sente a respeito disso?
TARJA – Eu ouvi falar sobre isso há algumas semanas, num encontro com a imprensa. Foi bem estranho saber que eles tinham feito isso... [um pouco hesitante] Mas quem sou eu para julgar? As pessoas continuam fazendo as coisas do modo que consideram correto. Agora, eles têm que cuidar do que estão fazendo, assim como eu tenho que cuidar das coisas que estou fazendo nesse momento. Isso é tudo.
RB – Quando toda a baixaria envolvendo sua expulsão do Nightwish aconteceu, é lógico que foi uma experiência extremamente dolorosa. Além disso, sair da banda naquele momento certamente não era o que você queria que acontecesse. No entanto, passado algum tempo e tendo agora o seu primeiro disco solo em mãos – que representa, novamente “sua” personalidade, “sua” música e “seus” sentimentos - , você diria que sua saída da banda foi o que de melhor poderia ter acontecido para sua carreira? Ou você ainda está magoada por não estar mais com eles?
TARJA – Não, de forma nenhuma. Estou muito feliz no momento. Essa é a verdade, eu estou muito feliz. [pausa] Estou vivendo uma aventura musical totalmente nova com esse disco, um processo de muitas e muitas descobertas excitantes. Por um lado, estou vivendo isso sozinha, mas, ao mesmo tempo, ao lado de muitas pessoas novas também. Estou muito feliz por ter a possibilidade de estar vivendo tudo isso. E, realmente, eu não sei se isso seria possível caso eu ainda estivesse no Nightwish. É muito difícil saber o que teria acontecido se eu não tivesse saído da banda. A única coisa que eu sei é que estou muito feliz e muito saudável, tanto física quanto mentalmente. E isso é o mais importante para que eu consiga fazer minha música de uma forma livre e apaixonada. Como artista, eu preciso disso mais do que de qualquer outra coisa.
RB – Tuomas Holopainen andou dizendo ultimamente que consegue ver no futuro uma reaproximação entre vocês dois. Em diversas entrevistas, ele já declarou que os vê um dia como amigos novamente. Qual seu sentimento em relação a isso? Você acha que dá pra voltar a ter uma relação de amizade com ele?
TARJA – [suspira longamente, olha para o repórter e não responde]
RB – Se você não quiser responder, eu entendo plenamente. É que eu acho bem curioso o cara que te chutou da banda daquele jeito de repente começar a dizer que quer ser seu amigo.
TARJA – [hesita um pouco] O que eu posso dizer é que está muito distante de mim considerar que essa eventual reaproximação possa acontecer. Para isso ocorrer, muitas coisas deveriam mudar e eu não consigo ver nenhum motivo por que elas deveriam mudar. [fala em português] Ponto [risos]!!!
2008 - Rock Brigade
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