E: Conversei com Tarja Turunen enquanto ela esteve em Londres para se apresentar num dia de festival e, depois, num show íntimo, que foi filmado. Falamos a respeito do seu novo álbum, “The Brightest Void”, da sua sequência, “The Shadow Self”, e sobre outras coisas.
A maioria das bandas ou dos artistas solo lançam um álbum por vez, mas você escolheu lançar dois num espaço de dois meses. Por que você tomou a decisão de gravar dois cds ao invés de um, duplo?

T: Eu realmente não queria gravar um álbum duplo porque acredito que, como desafio o público com minha música tão diversa, isso seria demais, muitas faixas. Terminei escrevendo muitas músicas, e no final, com todas nem minha frente, disse “e agora?”
Não queria coloca-las como faixas bônus, B-sides ou algo do tipo, porque já tive essa experiência – as músicas ficam meio perdidas; e elas são parte de você, são sua criação, você se sente ligado a elas, há uma conexão. Eu não queria que isso acontecesse. Discuti com as pessoas da produção na Alemanha e disse que poderíamos fazer um EP ou algo parecido, algo especial.

Quero ter um produto real, porque essas músicas foram escritas para um álbum, mas me tornei produtiva demais, de uma forma ou de outra, então o que fazer?

Eles disseram “vamos fazer dois álbuns e chamar um de prévia”, o que com certeza é uma maneira interessante designa-lo. O The Brightest Void é um tipo de conexão com meu amor por trilhas sonoras de filmes e por filmes, de maneira geral. Ele mostra o tipo de som que está por vir. Como os títulos dos álbuns são mais ou menos as oposições que temos na vida, então esse primeiro cd, para mim, representa o lado luminoso da sombra.

E: Notei com os títulos que você tem, The Brighest Void e The Shadow Self, que há uma conexão entre o que é luminoso e o que é sombrio. Pergunto-me se os álbuns seguirão o mesmo caminho.

T: Sim. Passei por um tipo de auto-descoberta nos últimos anos. Ainda estou nesse caminho e acho que, como artista, esse tipo de descoberta não parará, porque você conhece novas pessoas e quanto mais viaja, mais conhece novas coisas. Acho que foi Jhon Lennon quem disse algo assim há muitos anos. Tento manter minha mente aberta nesse sentido. São oposições – amor/ódio, negativo/positivo, sombras/luz – nas sombras sempre há um pouco de luz, e vice-versa.
Em mim, sempre senti que há uma certa escuridão, mas nunca realmente entendi o que ela é, porque me considero uma pessoa bastante positiva. Amo conversar, socializar, sou uma pessoa animada, não sou triste; mas quando se trata de música, isso é exteriorizado com melodias melancólicas, com coisas sombrias, místicas e misteriosas. Adoro isso.
Quando eu estava escrevendo as músicas para esse álbum, li uma entrevista da Annie Lennox em que ela estava falava sobre o lado sombrio de nós, artistas, como uma força criativa que nos faz criar arte. Isso realmente me impactou. É minha escuridão, minha própria escuridão. Sinto-me muito positiva, mas ela me faz criar coisas sombrias. Descobri muito sobre mim através dessa entrevista – ela me impactou fortemente, sou grata pela Annie Lennox ter deixado isso claro para mim.

E: Parece que você se desafiou bastante nos vocais dos álbuns. Imagino que o rock é algo bastante diferente de se fazer em relação ao clássico, em que você é treinada.

T: É um desafio, mas adoro isso. Quando escrevo músicas, geralmente faço melodias muito difíceis, mas novamente, é um desafio. Não quero estar em um nível mais baixo. Sou viciada em trabalho nesse sentido, e atualmente, tendo uma carreira internacional, preciso manter isso organizado, porque caso contrário, seria uma bagunça. Tenho conseguido fazer isso possível, pois trabalho duro. Sendo uma vocalista é vital que eu siga em frente com essa pratica e treino e espero que isso nunca mude, porque quando volto para uma aria, por exemplo, canto sem problemas. Isso é satisfatório para mim.

E: Com um guitarrista, se ele pode tocar algo, é pouco provável que mude, a menos que tenha alguma lesão. Com uma vocalista, imagino que não é a mesma coisa, pois sua voz muda.

T: Esta mudando, evoluindo. Se você ouvir meus álbuns um após o outro, poderá perceber facilmente a mudança em minha voz. Isso é porque nunca paro a mudança, o treino lírico. É a minha essência, me livra da insanidade.

E: Normalmente, em seus álbuns, você inclui um cover dos anos 80. Desta vez, você voltou a 1964, com Goldfinger. Realmente gostei – Shirley Bassey tem uma voz poderosa, então não foi algo fácil de fazer, imagino.

T: Eu precisava cantar essa música – ela foi selecionada para mim há muitos, anos para uma produção de TV. Senti muita dificuldade em cantar naquele período, mas ela continuou tocando na minha cabeça e eu sabia que tinha que voltar para ela um dia, quando estivesse pronta. Ano passado, em novembro, com minha banda, cantei-a na América do Sul. Testamos com o público, fizemos um arranjo pesado. Senti que ficou muito boa ao vivo. Eu estava dando duro, queria tê-la no álbum. O The Brightest Void me deu a possibilidade de incluir essas músicas, representando a luz.

E: Ouro e luz ficam bem juntos. Quando você estava se apresentando na noite de domingo e começou a cantar Goldfinger, todas as luzes mudaram para dourado. Isso caiu perfeitamente com a música.

T: Fico feliz em ouvir isso, eu não sabia. Tenho o melhor engenheiro/designer de iluminação. Ele é finlandês e muito inteligente em suas criações. As luzes são muito importantes para mim, porque não gosto de exageros. Nos shows futuros haverá telões, e a produção será maior que antes, mas ainda chic. Precisa ser assim, sofisticada, sem muita coisa junta e confusa. Bonita e fina. E quando se trata de luzes, ele é a pessoa com quem quero trabalhar, porque realmente capta a música.

E: Você teve o concerto na noite de domingo, e noite passada algo menor, com músicas do The Brightest Void e do The Shadow Self, que foi filmado. Para quê?

T: Foi filmado para meu próximo álbum ao vivo, Act 2. Ele será gravado em algum lugar na Europa, durante a próxima tour. Ainda não decidi o local, mas meu primeiro dvd, Act1 1, foi gravado na Argentina. Então, dessa vez, quero fazer na Europa. Filmaremos muito material nos shows e festivais. Esse show é novamente como os lados opostos do álbum – esse show bem íntimo e depois um show grande.

E: Deve ter sido bastante diferente para você cantar num ambiente tão intimo

Foi muito interessante. Bastante, na verdade. Um sentimento de tensão no início, quando entrei no ambiente e não tinha ar fresco. Todos sugando o ar do local, que era úmido e quente. Mas ver a emoção dos fãs, os hardcore fans em minha frente...wow. Tive essa experiência apenas uma vez, em que as pessoas estavam bastante próximas a mim enquanto eu cantava. Foi num dos concertos natalinos em que faço em igrejas, na Finlândia. O lugar estava tão cheio que havia pessoas sentadas no chão, então eu podia dizer “olá” para suas cabeças; essa foi a única vez. Agora, num pequeno agrupamento de pessoas, com todos os olhos direcionados a você, mais a mídia, mais a produção, eu me senti tipo “me mate”. Contudo, foi uma experiência incrível. Realmente aproveitamos. Cantar músicas novas para o público pela primeira vez foi tenso.

E: E, para adicionar uma pressão extra, não foi apenas a primeira vez que você esteve cantando essas músicas em público, mas sendo filmada também.

T: Eu nem me importei com as câmeras. Agora que volto para pensar a respeito. Por que não me importei com elas? Não estava pensando sobre a filmagem, estava mais nervosa com todos naquele lindo estúdio histórico, e estava mais nervosa sobre fazer uma boa apresentação, não sobre a gravação. Isso pode vir da minha experiência gravando o The Voice Of Finland, algo do tipo. Eu estava acostumada a ter câmeras por perto, porque é um reality show – elas estão lá, você apenas deixa de se importar depois de um tempo.

E: Suponho que a câmera é apenas uma caixa na sua frente. Você não tem resposta dela, diferente do público, que você vê o rosto e as reações a qualquer coisa.

T: Sim, totalmente. Havia lágrimas reluzentes e brilhantes em seus olhos.

E: Você parece feliz e confiante no palco atualmente.

T: Você vive, aprende e passa por muita coisa. Atualmente, encontrei certa confiança em escrever, produzir músicas, ser a parte criativa, tomar controle, carregar a responsabilidade e ser feliz por isso. É uma linda liberdade.

E: Você tem o Hellfest no próximo final de semana e, em seguida, vai para a China em turnê. Você já cantou lá?

T: Nunca. Do extremo oriente, apenas no Japão. Desta vez, vou à China, Hong Kong e Taiwan – novos lugares. Estou animada como uma garotinha. É uma ótima experiência.

E: Com sorte, você terá algum tempo para ver lugares além da avenida no caminho do aeroporto para o hotel e do hotel para o aeroporto.

T: Espero, mas acho que não terei tanto. Ao menos, ficarei em Tokyo alguns dias a mais, com minha família. Realmente quero mostrar a minha filha esse estilo de vida, essa cultura. Mostra-la que há lugares com tantas pessoas – se Londres é populosa...wow, Tokyo é MUITO mais. Minha filha adora sushi, é sua comida favorita, então ela estará no sétimo céu.

E: Posteriormente, neste mesmo ano, você tem uma tour europeia que inclui o festival Metal Female Voices. Deve ser a quarta ou quinta vez que você canta lá.

T: Algo do tipo, sim. Já se passaram alguns anos desde minha última apresentação. Amo voltar, sempre há uma atmosfera especial.

E: Acredito que a última vez foi quando Floor Jansen juntou-se a você no palco para a última música.

T: Graças a Deus ela disse sim quando pedi.

E: Penso muito a respeito da quantidade de tempo que as pessoas na internet gastam inventando essas rivalidades entre cantoras. As duas cantando juntas mostra que essa rivalidade não existe. O mesmo pode ser dito sobre o dueto com Sharon Den Adel, no álbum do Within Temptation.

T: Totalmente. Na verdade, Sharon me disse que ouviu esse tipo de coisa. Eu disse que nunca ouvi, não estou por dentro disso, não sou muito de ficar lendo online. Nunca nem sequer pensei que poderia haver esse tipo de coisa entre nós, é incrível. Por que as pessoas dizem isso? Música é música e estamos todas tentando fazer a nossa, tentando dar nosso melhor.

E: Acho que algumas pessoas não tem nada melhor para fazer.

T: É muito tempo livre.

E: Ano passado, você lançou um álbum clássico, Ave Maria. Há planos para fazer algo parecido?

T: Adoraria gravar um segundo álbum clássico. Isso poderia ser algo com leads alemães ou músicas europeias em geral, dentro da música de câmara, que é minha coisa na música clássica. Não me vejo cantando arias, porque não sou uma cantora de ópera, mas música de câmara é minha área. Sinto-me confortável, é onde tenho mais conhecimento. Então, por que não? É um projeto que requer muito tempo, treinamento, concentração...muito tempo. O Ave Maria foi gravado dois anos antes de ser lançado. Foi com toda loucura que estava acontecendo no momento – eu estava escrevendo o The Shadow Self e em turnê. Com tantas coisas acontecendo em paralelo, algumas vezes é difícil encontrar tempo, mas eu adoraria gravar outro, porque foi uma linda experiência.

E: Muito obrigado por seu tempo.

T: Disponha.